No último domingo, o Fantástico veiculou uma reportagem sobre automutilação entre adolescentes. Conforme a apuração do repórter da TV Globo, Marcelo Canellas, o ato de machucar a si mesmo afeta 20% dos jovens no mundo todo e é, principalmente, motivado pelo bullying no ambiente escolar. Duas escolas catarinenses foram citadas na matéria, uma no Vale do Itajaí e outra no Norte do Estado.
Tanto na unidade de ensino de Blumenau, quanto na de Massaranduba, houve casos de alunos que se automutilaram — geralmente por meio de cortes nos próprios braços e pernas, sempre escondido dos pais e, às vezes, na companhia de colegas. Os profissionais de Educação das escolas lutam para combater o fenômeno social, que já é considerado um problema de saúde pública pelo Ministério da Saúde.
Em Massaranduba, a situação foi resolvida quando os professores acionaram em maio deste ano uma ONG que tem sede em São Paulo e aplica uma metodologia canadense de cuidados em relação à saúde mental. Mas foi a diretora-geral da Escola de Educação Básica Padre José Maurício, em Blumenau, quem apontou a fragilidade do problema à reportagem do Fantástico:
— A rede pública estadual não oferece psicólogos — alertou Simone dos Santos que, sem saber o que fazer, acionou o pai dos alunos envolvidos que se mutilavam no intervalo das aulas.
A orientação obtida por uma das mães no Conselho Tutelar foi a de procurar o Sistema Único de Saúde (SUS). Na reportagem televisiva, a mulher diz que ainda espera o retorno de um psicólogo.
Questionada pelo Diário Catarinense, a Secretaria Estadual de Educação (SED) confirmou o problema de falta de profissional específico em nota enviada por e-mail. Segundo a pasta, não existem psicólogos na rede de ensino porque eles não estão incluídos no quadro do magistério. A assessoria de comunicação não informou se há previsão de contratação que, no momento, diz ser impossível.
A SED ainda informou que as "escolas estaduais possuem o Núcleo de Prevenção às Violências na Escola (Nepre) que trabalham deforma intersetorial, ou seja, em casos de violência como a automutilação, a escola tem a autonomia de articular juntamente com a saúde e assistência social para dar o encaminhamento necessário ao estudante."
A assessoria de comunicação do órgão também garantiu serem realizadas "ações e palestras preventivas, atendimento individual ao aluno e família, nas diferentes áreas que contemplam as violências nas escolas, como o bullying".
Importância do profissional psicólogo
Ainda de acordo com a reportagem do Fantástico, especialistas associam autolesão não suicida — termo adotado na última classificação de doenças mentais lançada em 2013 — e bullying.
— Uma grande parte dos jovens que abre quadro depressivo na idade de 14 a 16 anos são os jovens que sofreram bullying antes dessa idade ou nessa idade de uma forma muito intensa. E a forma para diminuir essa coisa da angústia, tristeza e do isolamento social que ele sofre pelo bullying, não há dúvida nenhuma, que é a automutilação — explica o psiquiatro ouvido por Canellas, Fábio Barbirato.
Apesar de o Brasil não dispor de estatísticas oficial que forneçam um panorama sobre a situação, é a Pesquisa Nacional da Saúde do Estudante (PeNSE), elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No último levantamento, 68,1% dos alunos catarinenses do 9º ano do Ensino Fundamental afirmaram já terem se sentido humilhados por provocações de colegas. A estatística coloca Santa Catarina na liderança de ocorrências relacionadas ao bullying.
Dado esse contexto, a psicóloga clínica conselheira do Conselho Regional de Psicologia (CRP), Elisa Ferreira, reforça a de se ter esses profissionais no ambiente escolar. Para ela, sem psicólogos, se perde um olhar e a possibilidade de evitar e tratar o problema da automutilação.
— A importância de um profissional que, além da escuta qualificada e da atenção clínica ou terapêutica que se fizer necessária é indiscutível. Esse também é um profissional que pode pensar projetos e ações no sentido de criar esses espaços onde as políticas públicas compreendam que a atenção à saúde mental é absolutamente relevante — pontua.
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